Juliana M Ferreira, diretora-executiva da Freeland Brasil concedeu entrevista para o Fantástico na reportagem “Caça ilegal e falsificação de registro: quadrilha movimentava milhões com tráfico de animais silvestres” por Murilo Salviano.
Ao longo da entrevista, Juliana falou sobre os impactos do tráfico de fauna silvestre. Abaixo adicionamos alguns trechos que não foram incorporados à matéria editada:
Sobre os impactos do tráfico
Há um grande sofrimento dos animais e ainda um risco de contaminação por zoonoses entre animais e humanos. Outro risco é o de introdução de espécies exóticas (que não têm ocorrência natural em determinada área) que podem se tornar invasoras. Espécies exóticas invasoras são uma das grandes força motrizes da perda de biodiversidade global. A coleta descontrolada, ao longo do tempo, retira grandes números de animais das populações naturais, o que pode levar a declínio populacionais. Os declínios populacionais podem levar a prejuízos para a manutenção da espécie e seu futuro evolutivo, mas também levam a prejuízos das funções ecológicas desempenhadas pelos animais, como controle populacional de presas, dispersão e predação de sementes, entre outros. A alteração no equilíbrio das redes ecológicas pode levar a desequilíbrios nos ecossistemas, inclusive com a perda de serviços ecossistêmicos, podendo ter impactos até na capacidade de regeneração do ecossistema. Além disso, os animais retirados ilegalmente deixam de se reproduzir e formar as próximas gerações, perdendo portanto, suas combinações genéticas, reduzindo a diversidade genética das populações e perdendo todas as funções ecológicas que as futuras progênies iriam desempenhar.
Além dos impactos ambientais, o tráfico de fauna também traz impactos sérios na segurança, economia e governança das nações, pois só pode ocorrer em conjunção com outros crimes, como corrupção, falsificação, associação criminosa, entre outros.
“Além do grande sofrimento que eles passam e do risco de contaminação por diversas doenças, estes animais fazem falta na natureza, pois eles deixam de desempenhar as funções que as outras espécies precisam que eles desempenhem e isso pode levar a alterações muito grandes no ambiente natural que acabam voltando e atrapalhando a gente.” Juliana Machado Ferreira – Diretora da Freeland Brasil
As aves são os animais vivos mais interceptados no comércio nacional, aproximadamente 80% dos apreendidos. Essa situação é fruto de um contexto histórico e social, como o costume de manter aves em gaiolas, os colecionadores que têm desejo possuir algumas espécies de aves, raras ou caras, pessoas que lucram com o comércio ilegal das aves, das anilhas, dos documentos, torneios de canto, pessoas que são quase viciadas e não conseguem ficar sem possuir aves presas, entre outros. Para combater esse crime é necessário desenvolver uma abordagem diferente para cada tipo de mercado consumidor, assim como para os diferentes pontos da cadeia ilícita.
Sobre as apreensões
É importante ter em sempre em mente que os dados de apreensões refletem o que está sendo apreendido, que é o que é mais detectado. No entanto, não necessariamente é o que é mais traficado, mas pode ser o que é mais fácil de detectar, ou o mais procurado porque é conhecido.
Sobre os dados de fauna traficada e o combate ao tráfico
No Brasil muitas instituições diferentes têm como atribuição o combate ao tráfico de fauna em algum ponto da cadeia ilícita e isso faz com que tenhamos diversas formas de registro de dados que não são consolidados. Essa ausência de consolidação de dados faz com que estejamos cegos em relação à real situação do tráfico de fauna silvestre no Brasil, o que acaba impossibilitando um planejamento estratégico mais efetivo. Desta forma, padronizar as in formações coletadas e consolidar os dados é uma passo importante para o fortalecimento do combate ao tráfico de fauna silvestre. Essa consolidação seria facilitada com o desenvolvimento de uma estratégia nacional de combate ao tráfico de fauna silvestres.
Sobre a criação legalizada
Hoje a criação legalizada tem um papel muito grande no tráfico de fauna, tanto a comercial quanto a amadorista de passeriformes. Ambas têm funcionado como porta de entrada para animais que são roubados na natureza e esquentados ou lavados através de documentação falsificada (anilha, marcação individual ou outro documento).
A operação “Delivery”, do IBAMA, surgiu para condicionar a entrega de anilhas e efetivação do cadastro no SISPASS de filhotes cujo nascimento foi reportado por criadores amadoristas de passeriformes apenas após a constatação do nascimento efetivo das aves. As anilhas são marcações individuais que atestam a legalidade do animal, ou seja, seu nascimento em cativeiro, e não podem ser comercializadas entre criadores. A partir do momento que passou a ser necessário provar o nascimento e a existência de fato dos filhotes, as requisições de anilhas ao sistema do IBAMA chegaram a cair mais de 97% para alguns tamanhos de anilha, o que mostrou claramente que o pacto de confiança entre os criadores registrados no sistema e o órgão ambiental estava sendo violado através de declarações falsas de nascimento, requisições ilegais de anilhas e uso das anilhas para fraudar a origem ilegal de animais roubados da natureza. E a queda nas requisições foi mais acentuada justamente para os tamanhos de anilha usados para as espécies mais apreendidas, mais traficadas, os papa-capim, coleirinhos e outros Sporophilas, e os trinca-ferro. Entretanto, “Operação Delivery” foi descontinuada. Não foi formalmente encerrada, o que permitiria questionamentos formais, mas sim como que pausada. A única explicação possível para descontinuar a Delivery é o interesse de “criadores” desonestos, traficantes e falsificadores, uma vez que criadores honestos não teriam problema em mostrar os filhotes.
Assista a reportagem completa em https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2020/11/29/caca-ilegal-e-falsificacao-de-registro-quadrilha-movimentava-milhoes-com-trafico-de-animais-silvestres.ghtml
A Freeland Brasil é uma organização brasileira, sem fins lucrativos, cuja missão é a conservação da biodiversidade através do combate ao tráfico de espécies silvestres. A Freeland Brasil trabalha por um mundo sustentável e livre do tráfico de espécies silvestres. Nossa missão é a conservação da biodiversidade através do combate ao tráfico de espécies silvestres, usando uma abordagem de três pilares interdependentes: educação, capacitação e política.
A Freeland Brasil, fundada em 2012, é o braço sul-Americano da Freeland Global (freeland.org), uma respeitada organização internacional de combate ao tráfico de espécies silvestres e de pessoas. A Freeland Global trabalha com governos para proteger comunidades humanas e vida silvestre vulneráveis do crime organizado e da corrupção.
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